Surto está acontecendo por deficiência de imunização da população que está próximo desses focos silvestres
Segundo o boletim do Ministério da Saúde, divulgado na última terça-feira, 31 de janeiro, o surto de febre amarela silvestre já é o pior em 10 anos. Até o momento já foram notificados 809 casos suspeitos da doença no país. Do total, 651 casos permanecem em investigação, 127 foram confirmados e 31 descartados. Dos 128 óbitos notificados, 47 foram confirmados, 78 ainda são investigados e 3 foram descartados. Minas Gerais continua sendo o estado com o maior número de registros até o momento.
O infectologista e professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, Dirceu Greco, esclarece algumas questões sobre o assunto.
Qual é a situação atual da febre amarela no Brasil?
A febre amarela silvestre que está endêmica no Brasil existe em vários países. Este surto está acontecendo por deficiência de imunização da população que está próximo desses focos silvestres. Se essa população estivesse imunizada, isso não teria acontecido, como não aconteceu nos anos anteriores. A febre amarela silvestre não é uma coisa nova, ela está presente no Brasil, nas regiões tropicais e subtropicais.
Não vamos saber agora se já estamos no topo da crise, se vai começar a aparecer diminuição ou não. Vamos saber só daqui a algum tempo porque a entrada de vacina é recente, mas então é possível que vejamos uma diminuição na freqüência dos casos.
Quais são as medidas de enfrentamento que estão sendo tomadas? Elas estão sendo eficazes?
A medida agora é a vacinação. Distribuíram a vacina para vários locais. Acho que é importante que o Brasil inteiro fique atento, porque os focos estão em Minas Gerais, mas já estão chegando ao Espírito Santo e a outros estados. O reconhecimento desses focos é importante, porque acaba levando as autoridades a disponibilizar a vacina nesses locais. São várias coisas que têm que se pensar para que as medidas sejam tomadas de forma correta. Temos que manter esse assunto intensamente disponível para a população, mas também não podemos perder o foco nas outras patologias que estamos expostos o tempo inteiro. Nós nos concentramos na febre amarela e paramos de falar sobre dengue, zika e chikungunya que estão por aí. Elas não foram substituídas pela febre amarela.
Quais são os sintomas que as pessoas devem ficar atentas?
Os sintomas da febre amarela são muito parecidos com os de algumas doenças. Entre os sintomas estão a febre, dor de cabeça, mal-estar, algumas dores no corpo. Mas precisamos ficar atentos a duas coisas: se a pessoa tem os sintomas e se ela mora ou viajou nos últimos 15 dias para as áreas onde está tendo o surto.
Existem muitas dúvidas quanto à vacina. Quem deve tomá-la e quantas doses são necessárias?
Quem deve tomar vacina são as pessoas que estão nas áreas de risco ou pessoas que vão viajar para essas áreas. A discussão sobre a quantidade de doses é muito interessante. Inicialmente pensava-se que a imunização duraria 10 anos. Depois se mostrou que quem havia tomado a vacina duas vezes estava imunizado para o resto da vida. Como a vacina está no calendário nacional de vacinação, as crianças já recebem as vacinas, então já estão imunes. A população adulta que deve prestar atenção e olhar o cartão de vacina. Se a pessoa foi vacinada duas vezes está tranquilo. Se foi vacinado uma vez só, não precisa se vacinar a não ser que vá para um local onde há um surto da doença. Isso mostra a importância do calendário de vacinação e porque a vacina é gratuita. As pessoas não seguem o calendário, às vezes tomam a vacina, mas esquecem que tem que voltar para a segunda dose.
Qual é o risco da febre amarela chegar às áreas urbanas?
O risco é pequeno, mas é real. No ambiente urbano a febre amarela tem outro vetor, oaedes aegypti. Nesse caso é preciso ter muito cuidado porque, se por alguma razão, a vigilância dessas pessoas infectadas escaparem e elas voltarem para área urbana, os mosquitos aedes podem se infectar e daí começar um surto de febre amarela urbana. Se isso acontecer, vai ser complexo porque vai ter que aumentar no país inteiro a distribuição da vacina. Vamos ter uma população muito maior exposta à doença. Por enquanto, a população exposta é relativamente pequena se você pensar em um total. A logística vai ter que ser repensada para que a vacina possa estar disponível para todo o país, para interromper um surto urbano. Outro risco, que eu acho que é o mais importante para nós, é que isso nos lembra da necessidade de ter financiamento para saúde pública. Sem investimento não teremos como aumentar a logística para a distribuição de vacinar nem como cuidar das pessoas doentes. Eu acho que estamos vivendo dois momentos. Um de aviso, precisamos ficar alertas. Outro que é cumprir o nosso papel de manter uma vigilância e tentar reverter esse processo.