Entre os resultados estão a jornada prolongada e doenças ocupacionais decorrentes da condição de trabalho dos profissionais de saúde do município
O projeto “Condições de emprego, condições de trabalho e saúde dos trabalhadores da atenção básica”, realizado entre setembro de 2008 e janeiro de 2009, foi a base para a análise de dados de duas dissertações de mestrado, defendidas junto ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UFMG. Um dos estudos, feito pela médica Vanessa Ventura, teve como objetivo estimar a prevalência de doenças ocupacionais em trabalhadores da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMSA-BH) e identificar os fatores associados a essas doenças. Já o outro, da enfermeira Juliana Andrade, focou na condição da jornada prolongada, avaliando sua ocorrência e identificando a proporção de trabalhadores da SMSA-BH exposta à ela.
Segundo Vanessa as doenças ocupacionais têm alta prevalência, e são responsáveis por sofrimento para o indivíduo e família, sendo também prejudiciais para o empregador e para o sistema público de saúde. “Apesar de passíveis de prevenção, são consideradas problemas de saúde pública, sendo os trabalhadores da saúde um grupo vulnerável. O estudo dos fatores associados às doenças ocupacionais pode indicar pontos de intervenção e contribuir para a redução da magnitude do problema”, defende.
Juliana também concorda com a devida preocupação, declarando que a jornada de trabalho prolongada tem efeitos sobre a saúde dos trabalhadores, a organização da vida familiar e do tempo fora do trabalho. “É um fator de risco porque interfere negativamente no tempo disponível para o descanso e lazer, além de diminuir a capacidade de resistência e de recuperação dos trabalhadores. Todos esses fatores estão relacionados aos problemas de saúde e acidentes de trabalho”, afirmou.
Perfil da análise
Todos os trabalhadores da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte em efetivo exercício foram elegíveis para estudo, independentemente do tipo de vínculo empregatício (permanente, temporário, estágio) e de sua ocupação. Foram abordados os profissionais de nível técnico, médio ou superior, da área administrativa e serviços gerais.
Na época da coleta, a SMSA-BH contava com 13.602 funcionários distribuídos em todos os seus distritos sanitários. Por meio de amostragem aleatória estratificada e proporcional foram sorteados 2.205 trabalhadores. A pesquisa de Vanessa considerou 1.768 destes e a da Juliana 1.549. A diferença no número é explicada pelo foco de cada uma por ter considerado e selecionado questões específicas do questionário.
Profissionais em destaque
A enfermeira Juliana evidenciou elevada ocorrência de jornada de trabalho prolongada, em 31,4% dos trabalhadores investigados. Dentre esses, destaca-se o predomínio entre os trabalhadores do sexo masculino, os mais escolarizados e os que tinham filhos. Além disso, observou-se maior ocorrência entre aqueles que estão diretamente em relação com os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).
De acordo com ela, a porcentagem é preocupante porque na literatura foram identificados agravos psíquicos e/ou mentais e físicos em consequência da jornada de trabalho prolongada nos trabalhadores da saúde. Mas, também, era um dado esperado diante das características destes profissionais. “Sabe-se que os trabalhadores da saúde estão expostos à jornada de trabalho semanal acima da preconizada. Provavelmente o multiemprego explique tal realidade, pois se trata de uma estratégia para compensar os baixos salários”, explica.
Sobre a diferença na duração da jornada entre homens e mulheres, na qual eles apresentam jornadas prolongadas (49 horas ou mais) maiores do que a das trabalhadoras na população geral, Juliana diz ser uma reflexão da distinção de como participam do mercado de trabalho. “Em que pese os avanços nas ocupações e profissões, assiste-se a continuidade de modelos familiares tradicionais que explicam diferenças quanto ao sexo na duração das jornadas no emprego”, expõe.
Doenças ocupacionais
Vanessa, por sua vez, conta que seu estudo forneceu uma estimativa da prevalência das doenças ocupacionais entre os trabalhadores do sistema público de saúde de Belo Horizonte. Estas doenças englobam as enfermidades adquiridas ou agravadas devido à exposição a fatores de risco associados ao trabalho.
Os resultados mostraram prevalência de autorrelato de doenças ocupacionais em 9,6% destes trabalhadores, sendo predominantes as doenças musculoesqueléticas (62,7%) e psiquiátricas (12,5%). Para ela, esta porcentagem encontrada foi negativa, porque provavelmente o número real é maior, mas há dificuldades que envolvem o diagnóstico das doenças ocupacionais.
Dentre os fatores mais associados encontrou caráter progressivo da idade, ou seja, quanto maior a idade, maior a força de associação com as doenças ocupacionais. Além disso, houve surpresa quanto à influência da alta demanda física e psicológica. A médica relata que pelo fato dos profissionais provedores da saúde (médicos, enfermeiros e outros) serem frequentemente expostos às altas demandas físicas e psicológicas em suas atividades, esperava-se que fossem o grupo com maior prevalência das doenças ocupacionais. O resultado encontrado foi diferente: maior prevalência de doenças ocupacionais no grupo de apoio e gestão. Para ela, provavelmente, tal dado foi resultado do viés causado pela readaptação funcional disponível para os trabalhadores dos serviços públicos. Ou seja, há a suposição de que os provedores que adoeceram no exercício da assistência à saúde foram transferidos para atividades administrativas na tentativa de afastá-los de condições de trabalho prejudiciais e relacionadas à doença diagnosticada.
Futuras possibilidades
Diante dos resultados encontrados, Vanessa Ventura sugere investimentos para diminuir a prevalência de doenças ocupacionais. Como exemplos o treinamento, novos métodos de gestão, inovação na estrutura da assistência prestada pelos trabalhadores da saúde, iniciativas visando melhorar a qualidade dos serviços e a segurança no ambiente do trabalho. “Os resultados indicam a necessidade desse tipo de investimento visando transformar o ambiente de maneira que as demandas físicas e psíquicas das tarefas não sejam percebidas como altas”, argumenta.
Já Juliana Andrade acredita que é necessário investigar a complexidade das jornadas de trabalho no setor saúde, guiada pela diversidade de condições que implica em suas determinações e desfechos. “Estudos sobre o tema que abordem as relações de gênero também são necessários, uma vez que o gênero claramente constitui fator crucial na diferenciação das jornadas entre os trabalhadores”, propõe. “Rastrear a evolução das jornadas de trabalho efetivas, avaliar a influência das normas legais, identificar as necessidades e preferências dos trabalhadores e em que medida elas estão sendo atendidas também são temas importantes de duração do trabalho para futuras pesquisas”, completa.
Ainda segundo as pesquisadoras, os resultados dos estudos realizados com esse banco já são aproveitados em cursos de aperfeiçoamento dos profissionais do SUS. Um exemplo é o de Gestão das condições de Trabalho e Saúde dos Trabalhadores da Saúde (Cegest), resultado da parceria entre a Faculdade de Medicina da UFMG e o Departamento de Gestão e da Regulação do Trabalho em Saúde (Degerts) do Ministério da Saúde. Nele, os resultados das pesquisas realizadas na área de saúde do trabalhador são apresentados e discutidos com o objetivo de aperfeiçoar os processos cotidianos de gestão do trabalho em saúde.
Título: Jornada de trabalho prolongada no setor Saúde do município de Belo Horizonte
Nível: Mestrado
Autora: Juliana Mara Andrade
Orientadora: Ada Ávila Assunção
Programa: Saúde Pública
Defesa: 6 de fevereiro de 2015
Título: Doenças Ocupacionais em Trabalhadores do Setor Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Minas Gerais, 2009
Nível: Mestrado
Autora: Vanessa das Graças Jose Ventura
Orientadora: Ada Ávila Assunção
Programa: Saúde Pública
Defesa: 5 de fevereiro de 2015