Com apenas dois anos desde seu início, 423 municípios saíram da situação de escassez de médicos
*Samuel Silveira
Com a saída dos médicos cubanos do Programa Mais Médicos para o Brasil em novembro de 2018, várias provisões têm sido feitas em prol da continuidade do Programa. Neste mês de janeiro de 2019, por exemplo, os médicos formados no Brasil se apresentarão aos municípios para onde se inscreveram. Já os brasileiros e estrangeiros formados no exterior escolherão conforme as vagas remanescentes. Mas, além dessas medidas previstas, você conhece o Programa?
Lançado pelo Governo Federal em julho de 2013, ele busca combater a escassez e má distribuição de médicos nos municípios do interior dos estados e nas periferias das grandes cidades do país, bem como nos menos conhecidos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs). Para ter ideia da importância do Programa, no ano do lançamento, 1.200 municípios (cerca de 20% do país) passavam, em maior ou menor grau, por essa situação, segundo estudo da Estação de Pesquisa de Sinais de Mercado (EPSM) do Nescon/UFMG.
A determinação da escassez leva em conta, entre outros fatores, a proporção de habitantes por médico. A pesquisa encontrou 783 municípios não metropolitanos com mais três mil habitantes por médico ou que sequer tinham o profissional, sendo que a relação ideal é de mil habitantes por médico, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Apesar de ser a mais conhecida, o provimento emergencial de médicos brasileiros e estrangeiros para suprir essa carência é apenas uma das medidas do Programa Mais Médicos para o Brasil. Instituído pela Lei nº 12.871, ele é formado por outros dois importantes eixos:
Formação médica no Brasil
O professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina, Nathan Mendes, explica que o segundo eixo corresponde à reestruturação da formação em Medicina no país. Assim, envolve a expansão das vagas de graduação nas universidades e a transformação da grade curricular para que o aluno saia com mais competência para trabalhar na Atenção Primária, a porta de entrada das pessoas ao SUS com capacidade de resolver de 80% a 92% dos problemas de saúde da população.
Além disso, esse eixo tem o objetivo de fazer com que haja uma vaga de residência médica para cada egresso do curso de Medicina, sendo 30 a 50% do total das vagas destinadas à especialidade de Medicina de Família e Comunidade. “É a especialidade que tem mais poder de ação na Atenção Primária. Geralmente se conhece cardiologia, neurologia. Mas muitos profissionais e a própria população nem sabem que existe Medicina de Família e Comunidade”, destaca Mendes.
Investimento na infraestrutura da rede de serviços básicos de saúde
O terceiro eixo trata da construção de novas Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou reforma e ampliação das unidades já existentes. O professor Nathan, que atuou na supervisão do Programa Mais Médicos entre 2014 e 2016, comenta que o primeiro eixo impulsionou o terceiro. “Com a chegada dos médicos, as prefeituras conseguiram verba federal com novos editais pra construir UBS. Fui supervisor, por exemplo, em Mário Campos (MG) e lá não tinha uma Unidade. Quando os médicos chegaram para trabalhar, teve que improvisar até conseguirmos construir três UBS. Então esse eixo sobre a estruturação foi muito potente”, completa.
Supervisão e capacitação em Atenção Primária
No programa também há o sistema de supervisão dos médicos, que acontece de forma constante ao longo dos meses. Segundo Nathan, em um mês há o acompanhamento dos atendimentos realizados pelos médicos supervisionados. No mês seguinte, entrevista-se funcionários e membros da equipe (enfermeiros, gerentes, técnicos), para ampliar a perspectiva de como a equipe vê o trabalho desse médico.
“Já no terceiro mês, há um encontro que reúne dez supervisionados da mesma região, de acordo com as necessidades apontadas por eles, como dúvidas sobre atendimento em casos específicos, por exemplo”, discorre Nathan. A ideia é buscar integração entre os segmentos dos serviços e produção ativa de conhecimentos decorrente das demandas da saúde pública, o que corresponde à chamada política de educação permanente do Programa e do SUS como um todo. Nesse sentido, os supervisores fazem relatórios de cada ciclo para um web-portfólio de avaliação do programa.
Também é por meio dessa política, que a Rede UNA-SUS, composta por 36 instituições de Ensino Superior, oferece cursos a distância para capacitação dos médicos e tutores. Assim, a carga horária de 40 horas semanais inclui ações de aperfeiçoamento através da integração ensino-serviço nas Unidades Básicas de Saúde (32 horas para atendimento e oito para estudo), como explica o vice-diretor do Núcleo de Educação em Saúde Coletiva (Nescon) da Faculdade Medicina da UFMG, Edison Corrêa.
“Todos os médicos do Programa têm que fazer especialização em Atenção Básica em uma universidade. É uma pós-graduação lato sensu, como a Especialização em Saúde da Família que o Nescon oferece”, acrescenta Edison. Ele ainda conta que 550 se inscreveram para a especialização na UFMG através do edital de dezembro de 2018. “A expectativa é que 450 desses assumam, de fato, as vagas, sendo necessárias novas chamadas, já anunciadas pelo Governo Federal”, afirma.
Avaliação do programa
Além da formação, a própria avaliação do Programa Mais Médicos, por meio de pesquisas, integra a política de incentivos do sistema. Nathan Mendes comenta que cerca de 500 foram feitas desde o início. Com base no estudo de impacto do programa, conduzido pela Estação de Pesquisa de Sinais de Mercado do Nescon, por exemplo, constata-se que o Mais Médicos obteve resultados inalcançáveis pelas várias iniciativas de décadas anteriores em termos de amplitude e investimento.
Entre os impactos apontados nesse estudo, o número de municípios em situação de escassez baixou de 1.200 para 777 até setembro de 2015. O percentual caiu de 48% para 31% na região Norte e 25% para 18% na Nordeste, as quais apresentavam as maiores proporções de escassez antes do lançamento do Programa.
No que tange à formação em Medicina no país, Nathan comenta que houve aumento do número de matrículas nos cursos existentes de graduação em Medicina nas universidades federais e privadas. “A procura pela especialização na área de Medicina da Família e Comunidade também aumentou consideravelmente, mas ainda muito aquém do necessário para suprir a carência. Há cerca de seis mil médicos de família e comunidade no Brasil, no máximo, e é necessário mais de 100 mil”.
Para Edison Corrêa, há também um ponto positivo na integração entre o aperfeiçoamento dos médicos do Programa e a formação do estudante de Medicina. “Todo o material produzido no âmbito do Mais Médicos — desde livros didáticos até os TCCs dos concluintes da especialização — é disponibilizado. Assim, na graduação isso é utilizado especialmente a partir do 5º período, quando começam as disciplinas mais voltadas para a Atenção Primária”, conclui.
*Samuel Silveira – estagiário de Jornalismo
Edição: Deborah Castro