Economia da Saúde é um tema fundamental em vários aspectos, da prestação do serviço de saúde à própria clínica. É o que declara a economista Eli Iola Gurgel, professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG. Também coordenadora do grupo de Economia da Saúde da UFMG, Eli comenta pontos da agenda da Saúde de 2015 e a nova gestão do país.
Segundo ela, dentre as várias expectativas, há uma prioridade no debate a fim de conseguir estabelecer que a União invista pelo menos 10% da renda corrente bruta à Saúde, o chamado (sub) financiamento do SUS. “A Constituição previa o financiamento da Saúde, Assistência e Previdência pelo orçamento da seguridade social, mas, desde o veto do Collor, em 90, a Saúde vem batalhando para a ampliação do financiamento”, afirmou.
Ela ressalta a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) como um dos mais importantes setores da atividade econômica no Brasil, que movimenta mais de 200 milhões de reais por ano ao considerar os investimentos das três entes. Composto por um grande número da força de trabalho do país, há 10 anos o SUS também vem investindo na formação destes profissionais com o apoio das universidades e o Ministério da Educação em todos os níveis, desde a graduação até a especialização. “O fato de termos que formar pessoas com o objetivo de atuar no sistema público nos dá a dimensão da importância do SUS”, relata Eli.
A discussão sobre os desafios do financiamento do SUS existe há alguns anos. Qual o atual panorama da luta pelo investimento mínimo de 10% da receita para a Saúde?
As entidades de defesa do sistema público de saúde fizeram um movimento de cobrar pelo menos o que seria equivalente ao investimento dos municípios e estados, que seria os 10% da receita corrente bruta. Foi feita uma emenda popular com mais de dois milhões de assinaturas, mas o Congresso a desconhece.
Para agravar a situação, está na agenda uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) em que a responsabilidade federal se resuma a um escalonamento de 10% a 18% da renda corrente líquida. Resumidamente, o valor de três anos seria de apenas 64 bilhões, enquanto a nossa proposta é de 200 bilhões de reais. Esta é uma diferença muito grande, ainda mais para o SUS, que precisa de um plano de investimento importante e está cada vez mais dependente da compra de leitos do setor privado. É um risco grande, já que a rede privada pode romper os contratos a qualquer momento ou vender seus leitos e produtos de trabalho para quem quiser, o que coloca uma fragilidade a mais na assistência do SUS.
Além da definição do investimento mínimo da União para a Saúde, quais outras mudanças são necessárias para tornar o SUS mais eficaz?
Olhando as experiências de outros países, é fundamental a estruturação de um sistema nacional de Atenção Primária (APS) de qualidade. A APS bem organizada resolve 85% dos problemas de saúde. Do restante, parte vai para a Atenção Secundária e apenas 1% vai para a Atenção de Alta Complexidade. Estamos no caminho, com mais de 30 equipes multiprofissionais de saúde com cobertura de 50% da população. Então, é preciso avançar na constituição das equipes, é preciso que os profissionais sejam bem remunerados e tenham plano de carreira definido dentro do SUS. Também é necessário diminuir a rotatividade destes profissionais, pois o vínculo é importante para este nível de atenção que prioriza o conhecimento sobre os problemas das pessoas e das famílias no ambiente em que vivem, adquirido através da troca de experiências.
Completando 25 anos de instituição do SUS, quais os principais benefícios oriundos das ações de Saúde baseadas na universalidade, equidade, integralidade e controle social?
O sistema público é uma grande conquista da Constituição de 1988, por isso precisamos juntar forças e mobilizar a sociedade para que esse direito não seja quebrado, como é a intenção de vários segmentos hoje no Brasil.
Antes do SUS existia o Sistema Previdenciário, no qual apenas as pessoas com carteira assinada tinham assistência médica. Isso dá uma amostra do salto na qualidade, cidadania e na expansão dos direitos que veio como SUS. Hoje, todos podem procurar um centro de saúde perto da sua casa com a consciência do direito que tem e é essa a primeira grande conquista do povo brasileiro. Por isso é importante pensarmos em ganhar mais qualidade nesta atenção para que o sistema continue a atender todos os brasileiros, sejam ricos ou pobres.
Para isso temos que continuar enfrentando um problema que surgiu desde o início, com o apoio da imprensa que faz campanha até hoje, que é a ideia que o sistema público não funciona, trazendo insegurança à população e incentivando-a a ficar dependente dos sistemas privados. Há também a questão do incentivo do governo que desconta do imposto de renda aquilo que se gasta com plano de saúde e isso gera perda dupla ao SUS com o enfraquecimento moral e o não arrecadamento financeiro.
Quais os temas mais importantes a serem debatidos durante a 15ª Conferência Nacional de Saúde este ano?
É preciso sensibilizar para a necessidade da mudança na organização e na política de financiamento do Sistema. Estamos esperando que, com os Conselhos de Saúde do país, consigamos uma mobilização tão importante quanto foi a 8ª Conferência Nacional, que resultou na criação do SUS. Hoje há um consenso entre as unidades que defendem um sistema público de saúde da direção que devemos ter para enfrentar os problemas. É como se houvesse a recuperação do movimento de reforma sanitária no sentido de garantir de fato o sistema apresentado pela Constituição.
Também discutimos a respeito da inovação tecnológica, a formação profissional e a necessidade de projetos novos para que os profissionais sintam-se motivados a participarem por toda sua vida de um sistema público.
A nova gestão já sinalizou para a priorização de alguma área?
Há o artigo 143 da Medida Provisória 656/2014, recentemente sancionado, que permite investimentos estrangeiros nos serviços de saúde. Este acontecimento é muito sério porque fortalece a iniciativa privada e enfraquece o SUS. Eu esperava que a nova gestão assumisse o SUS como principal proposta de Saúde para o povo brasileiro mas, depois de sancionar essa lei, não acho que isso está claro. Mesmo com o discurso de que fortaleceria o SUS, é necessário que a presidenta mostre ações concretas. A principal oportunidade está na votação sobre a definição dos 10% da receita corrente bruta ou líquida para financiar a Saúde.
Neste ano, o “Programa Mais Médicos” teve aumento do número de vagas e de cidades atendidas. Sabendo que as ações do Programa acarretam mudanças desde a formação até a atuação do profissional na Atenção Básica, quais mudanças iremos presenciar nos diversos setores relacionados?
O Programa Mais Médicos foi um fato importante na política de saúde porque afeta os problemas que o sistema público vive. Mesmo quando ele ficou mais conhecido com a chegada de médicos estrangeiros foi positivo, porque esta era também uma realidade. Hoje as pessoas já estão sentindo a mudança da chegada dos médicos nas regiões onde não tinha esses profissionais.
Neste sentido, o Programa também diz a respeito da formação dos médicos que agora traz como diretriz o redirecionamento da especialização e atuação, incentivando os profissionais a atuarem no SUS e não nas clínicas particulares como acontecia. Mas ainda temos que chegar a uma relação médico e paciente mais favorável do que temos hoje, por isso o Mais Médicos continuará sendo o carro chefe para que continuemos trabalhando na perspectiva de formar profissionais da Saúde para atuação na Atenção Básica. Além de fortalecer o Sistema para que ele atenda a todos os brasileiros com qualidade e seja uma preocupação e cobrança de toda a sociedade.
*Matéria publicada em versão reduzida na 43ª edição do Saúde Informa