O médico de família faz tempos melhores

Publicado em Notícias - 19 de novembro de 2015

Veronica Vicente palestra sobre o sistema de saúde espanhol. Foto: Carol Morena

Veronica Vicente em palestra sobre o sistema de saúde espanhol. Foto: Carol Morena

A diretora da Unidade de Ensino de Medicina de Família da Faculdade de Medicina da Universidade de Valladolid, Veronica Casado Vicente, foi convidada a apresentar sobre o sistema de saúde espanhol no 1º Simpósio Internacional Formação em Medicina de Família e Comunidade. Ela participou de dois debates na última quarta-feira, 18, no Salão Nobre da Faculdade de Medicina da UFMG.

Para Veronica, é preciso apostar em uma reforma para garantir saúde de qualidade à população, por isso se deve investir na Atenção Primária. “Vimos que os indicadores de saúde melhoraram de forma importante nesses 30 anos devido à Atenção Primária a Saúde (APS)”, afirmou após apresentar as mudanças em diversos indicadores sobre a população espanhola.

Em defesa dessa estratégia de organização do sistema, Verônica declara que o nível de saúde com mais satisfação da população é a APS. A afirmação foi baseada em uma pesquisa de satisfação, apontando que 88% das pessoas estão satisfeitas com o atendimento prestado pelo médico de família; 83,3% com o atendimento pelo especialista de segundo nível; e 76,97%  com o atendimento nas emergências.

Estrutura do sistema de saúde espanhol

Do percurso histórico do sistema de saúde da Espanha, Veronica destacou os anos de 1978, quando a Constituição espanhola firmou o direito de proteção à saúde; 1984, no qual se estabeleceu as estruturas básicas do sistema; e 1986, quando foi criada a Lei Geral de Saúde. “Antes de estabelecer a lei de saúde, todos os partidos acordaram em criar a APS. A partir de então, seja rico ou pobre, todos passaram a ter direito ao médico de família”, contou. Em continuidade, ela diz que isso é importante por considerar que todos têm vulnerabilidade. “Os problemas de saúde são semelhantes entre as classes sociais e o tratamento é igual”, completou.

Verônica argumenta que para um sistema de saúde funcionar bem, ele precisa ser integrado e equilibrado. Isso significa que a administração e todas as tomadas de decisões devem ser pensadas objetivando a eficiência, equidade, eficácia e viabilidade. “O sistema é como uma balança. Não funciona só com especialistas do segundo nível da atenção, nem só com especialistas em medicina de família”, lembrou também.

Das características do sistema de saúde espanhol, ela cita o fato de que a cobertura é a mesma para jovem ou idoso, que o maior número de médicos de família está na zona rural devido à territorialização e o fato de pagarem o mesmo salário para qualquer especialidade médica. “Nosso objetivo é fazer a medicina de família ser a especialização que resolve a Atenção Primária”, pontuou Veronica. Ela também destaca as equipes multidisciplinares (médicos de família, pediatras, enfermeiro, parteiras, assistentes sociais, pessoal administrativo, etc.) que trabalham em conjunto no mesmo espaço físico.

Formação em Medicina de Família e Comunidade

“O médico de família não é aquele que encaminha tudo para o primeiro nível ou aquele que trata todos os casos. Ele tem que saber sobre os limites”, apontou Veronica. De acordo com a diretora, o médico de família traz mudanças importantes para o sistema e a saúde da população, como é o caso da alta taxa (93,2%) da resolutividade. Mas, para haver mudanças efetivas na Saúde, é preciso que também haja reforma na educação desses profissionais, por isso há uma série de ações necessárias antes de obter resultados eficazes com o novo sistema. Ela informa que a formação específica em Medicina de Família na Europa é reconhecida como uma especialidade e obrigatória, assim como para a prática profissional. Tendo, também, exame de avaliação da prática em 80% dos países e incentivo do desenvolvimento acadêmico em todos.

No caso específico da Espanha, a medicina de família passou a ser uma das 44 especialidades do país, uma disciplina obrigatória e estágio especializado com supervisão de profissionais da especialidade. Nesse país, também houve a criação de Unidades de Ensino de Medicina de Família nos departamentos universitários e uma mudança na duração dos programas de especialização, passando a ser de quatro anos. “O sistema de formação especializada por residência tem tido um grande impacto não só formativo, mas tornou-se uma verdadeira força motriz para a mudança e melhora do sistema de saúde, tanto nos hospitais como na APS”, declarou Veronica.

A diretora ainda indica mais pontos favoráveis oriundos dessas mudanças ocorridas na Espanha: estrutura de ensino consolidada; utilização de médicos de família em hospitais; melhor atendimento clínico; promoção e prevenção da saúde, trabalho em equipe, intervenção familiar e comunitária, entre outros. Além disso, destaca a expansão dos serviços para a população, transferência de serviços hospitalares para cuidados primários e as vantagens da APS como reguladora de fluxos no sistema.

Com o objetivo de desmistificar a visão sobre o médico de família, ela ressalta que o especialista na área não é um generalista que sabe um pouco de tudo. É preciso saber muito e ter o lado humano desenvolvido para considerar os fatores externos como a comunidade em que a pessoa vive, por exemplo. “Não é qualquer um que pode ser médico de família. Essa especialidade determina os níveis de saúde. E dentro desses níveis, a associação mais forte da população é com o médico de família”, destacou. “O médico de família faz tempos melhores”, concluiu.

 

Simpósio Internacional

As atividades do 1º Simpósio Internacional Formação em Medicina de Família e Comunidade foram realizadas nos dias 18 e 19 de novembro. Visando a formação acadêmica em Medicina de Família e Comunidade, os debates serviram, também, como preparação para a criação de um Departamento de Medicina de Família e Comunidade na Faculdade de Medicina da UFMG.

 

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