A mulher deve ser atendida e entendida considerando o seu gênero. É o que afirma a professora Elza Machado de Melo, coordenadora do Mestrado Profissional de Promoção de Saúde e Prevenção da Violência da Faculdade de Medicina da UFMG e coordenadora do Projeto Para Elas, desenvolvido com o apoio do Nescon. “Eu trabalho a questão do gênero como algo que faz parte e caracteriza o sujeito. Para um atendimento humanizado é preciso levar em consideração as caraterísticas e subjetividades daquelas pessoas que demandam o cuidado”, defendeu. “Ser mulher tem um impacto muito grande na nossa personalidade, história de vida, nas relações que estabelecemos, como a tripla jornada de trabalho. Por isso, quando falo em considerar a questão do gênero é levar em consideração a condição da mulher e sua intenção no mundo”, continuou.
O professor da Pós- Graduação em Saúde da Mulher da Faculdade, Victor Hugo, concorda que saúde da mulher é uma questão complexa, na qual também é preciso considerar todas as faixas etárias. “Não podemos pensar na mulher só na idade reprodutiva ou na adolescente. É muito mais amplo. A preocupação deve ser em promoção da saúde e prevenção, mas com um detalhamento em cada idade”, pontuou.
Como ginecologista, ele defende que problemas sérios de saúde pública no Brasil, como câncer de colo de útero e o de mama, poderiam ser evitados. “Esses são os cânceres mais comuns nas mulheres. O de colo de útero é totalmente prevenível, mas, infelizmente, no Brasil e no mundo, ainda é a causa da morte de milhares de mulheres. Já o de mama não há como prevenir, mas há como ser diagnosticado precocemente”, argumenta.
Ainda de acordo com o professor, é necessário que o Ministério da Saúde reveja a idade mínima de 50 anos para que as mulheres possam fazer a mamografia no sistema público. A justificativa é que muitas podem apresentar mais precocemente a doença e quando diagnosticada tardiamente dificulta ou impossibilita o tratamento.
Autonomia e violência
“Um grande percentual dessas mulheres inseridas no mercado de trabalho, que possuem dupla ou tripla jornada, ainda sofre violência. E a maioria dentro de casa”, comenta Elza de Melo. Ela salienta que era de se esperar que, à medida que as mulheres ganhassem autonomia e que os direitos humanos e a democracia ganhassem força e se consolidassem, as questões de violência fossem superadas. “Este é um agravante complexo que deve ser pesquisado porque está longe de ser resolvido. Não significa que os homens também não sofrem, inclusive devemos convocar a todos os homens e mulheres na luta contra a violência, porque esta é um dos principais problemas de saúde”, expõe.
O professor Victor completa dizendo que vivemos em uma sociedade violenta na qual as mulheres são um dos grupos mais vulneráveis, inclusive o fato de ter leis específicas para a violência sexual e doméstica mostra a gravidade do cenário. “Não há como só a equipe de saúde agir. Tem que haver politicas públicas, participação social, mudança de culturas, educação, entre outros”, afirmou. “Ao mesmo tempo em que sabemos que a violência doméstica, praticada pelos próprios parceiros, são as mais frequentes, sabemos que as próprias mães, influenciadas pela cultura, acabam educando os filhos homens como futuros violentadores. É necessária uma mudança profunda”, alertou.
Saúde da Mulher exige participação social
Para Elza, a principal questão é não entender saúde da mulher desvinculada das questões mencionadas. “Quando se trata das especificidades da mulher temos os vários papéis que ela assume diante da sociedade como mãe, esposa, dona de casa, tem as questões do humor e da carga de hormônios diferenciada. A ideia é trabalhar o conjunto sem esquecer as características específicas”, declara. De acordo com ela, dependendo de como é a atuação da mulher, ela vai ficar mais ou menos doente e demandar um determinado cuidado.
“Em minha opinião baseada em tudo que tenho estudado, eu não vejo a possibilidade de produzir saúde e ter saúde sem a autonomia. Este é ponto chave”, afirma. Elza enfatiza que não adianta nada dizer que ouve a mulher e depois não respeitar suas demandas, suas preferências e as concepções que ela tem ou precisa ter do mundo.
“Neste sentido eu vejo que o SUS tem grandes avanços em termos de ampliação de cobertura, de abordagem dos problemas e garantia do cuidado humanizado. Mas neste entendimento de que trabalhar cada um e o todo em uma perspectiva de autonomia, é preciso avançar muito mais”, conclui Elza.